quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Até o xique-xique desapareceu: Sobreviventes da seca dizem que nunca viram tanta destruição ambiental; desertificação piora cenário


Foto: Roberto Lima
Acumulados, os problemas decorrentes da estiagem deste ano fazem com que agricultores sobreviventes de outras secas, se assustem e já considerem esta estiagem como uma das maiores. O aposentado da cidade de Monteiro, Jorge Menezes, de 77 anos, disse que está vendo o maior desastre ecológico e social de toda a sua vida. “Vivi outras secas, como as da década de 1990, e ouvia falar da seca de 1915, que foi uma das maiores, mas a deste ano é diferente. Não tem nem como comparar”, lamenta.

De acordo com o doutor em Agronomia e chefe geral da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Napoleão Beltrão, o que pode explicar o agravamento da estiagem deste ano é principalmente os efeitos do aquecimento global, promovido pela desertificação e ação do homem contra a natureza.

Um dado ainda mais alarmante, segundo Beltrão, é que de acordo com um estudo elabora há 25 anos, ocorreria no semi-árido do Nordeste brasileiro, uma seca que duraria três anos, indo de 2012 até 2014. “Tem um estudo que também aponta que haverá uma época em que o Nordeste do Brasil viverá um fenômeno chamado “Big One”, que é a grande seca. Já estamos sentido que poderá ser uma das maiores da história, agora vamos torcer que não se confirme os três anos e que ocorram chuvas no próximo ano, senão a situação ficará muito mais complicada”, frisou.

Os agricultores que são veteranos da seca, visualizam o agravamento do problema, mas têm esperança de que o quadro seja revertido. A aposentada Maria Joventina Cordeiro, 88 anos, que mora no sitio Queimadas, na zona rural de Monteiro, teme que em 2013 a situação piore por conta das experiências que teve com anos terminados com o número “3”. “Nunca vi na minha vida um ano “3” prestar. Meus avôs e meus pais sempre disseram que o ano do “3” é difícil chover. Se este ano está ruim desse jeito, meu medo é que ano que vem seja muito pior. Fico muito triste quando vejo os animaizinhos morrendo de fome, as coisas tudo cara e os coitados dos agricultores tendo que conviver com uma realidade tão dura. Só Deus quem pode mudar essa situação e vamos continuar pedindo a ele para mandar chuva, senão, nem sei o que será do povo aqui”, destaca a idosa.

A agricultora Maria do Carmo Neres tem 80 anos de idade, também compartilha do mesmo pensamento. Ela conta que sofreu na pele os efeitos de três grandes secas e está atravessando as dificuldades deste ano, tendo que lutar para manter vivo o seu rebanho de 17 cabeças de gado.

Mesmo idosa e com a saúde fragilizada, ela trabalha todos os dias, carregando água em um balde para matar a sede os animais. Para a aposentada, se não chover logo, terá que se desfazer do rebanho, por falta de condições para cuidar deles. “Já sofri muito nessa minha vida com seca, mas este ano estou muito assustada, porque a cada dia a situação se agrava mais. Queria tanto que Deus mandasse umas chuvinhas pra salvar os bichinhos da gente. Tão morrendo de fome e minha aposentadoria não da pra comprar ração. Estou velha e trabalhando muito só pra não ter a tristeza de ver as vaquinhas morrerem”, desabafou

Visão de um centenário

Com 100 anos de idade, Francisco Mendes, morador da cidade de Prata, no Cariri, é um dos mais velhos da região e relembra que as secas de 1915, 1932, 1958 e 1993 foram devastadoras, mais concorda que 2012 entrará para história como o ano da “maior seca”, dos últimos 90 anos.

“Nasci em 1912 e na seca de 1915 eu tinha três anos de idade, mas lembro como foi destruidora. Em 1932, eu tinha 20 anos e vivi mais uma grande seca. Em 1958, eu tinha 46 anos e sofri demais com uma seca, que parecia ser a maior, mas veio a de 1993, quando eu já estava mais velho com 81 anos e foi uma seca de assustar. Agora, estou com 100 anos, e acho a seca deste ano a pior de todas que já vi”, afirmou o aposentado.

Para eles, a grande diferença da estiagem deste ano em comparação com as outras que assolaram o Nordeste, é a devastação das matas, que destruiu campos e várzeas, mudou a paisagem e não restou nada para alimentar os animais. Os mandacarus, xique-xiques, macambiras e outras espécies de plantas que conseguem se adaptar ao clima seco, e que eram encontradas em abundância no solo do Cariri, e que servem de alternativa para os agricultores alimentarem seus rebanhos, já estão entrando em extinção.

A palma forrageira, principal alimento usado para o gado, foi devastada pela praga da cochonilha do carmim. “Nas secas passadas, pelo menos podia se encontrar no campo, plantas que serviam para alimentar os animais. Não se vê por ai, tantos animais mortos, porque por mais que não tivesse lucro, mas as plantas e, sobretudo a palma, eram quem mantinham o rebanho de animais vivos. Agora, o que se vê é animais morrendo direto, gado magro e criadores desesperados com a situação”, disse Jorge Menezes, que foi prefeito de Monteiro nos anos 70.

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